Aventura, risco, tensão e morte
nas montanhas de Minas. O resgate na última semana do paulista Luís Cássio
Bezerra de Santana, de 27 anos, depois de oito dias perdido no maciço da
Mantiqueira, chama a atenção para a atitude de esportistas experientes ou amadores
que se arriscam, muitas vezes despreparados, por trilhas nas incontáveis serras
mineiras. A saga do trilheiro de São Paulo terminou sem maiores consequências,
depois de uma operação que envolveu nada menos que 50 militares, sete guias,
nove viaturas e duas aeronaves, mas desafios do tipo têm vitimado até mesmo
aventureiros mais experientes. É o que comprovam laudos aos quais o Estado de
Minas teve acesso, que revelam como ocorreu a morte do corredor de montanhas
francês Eric Gilbert Welterlín, de 53 anos, cujo corpo foi encontrado em 5 de
maio, depois de uma expedição na mesma cadeia montanhosa do Sul mineiro.
Eric morreu de hipotermia a menos
de mil metros de uma das fazendas da região, depois de se perder e percorrer
mais de 10 quilômetros na tentativa de retomar a trilha correta (veja na página
ao lado a reconstituição dos últimos passos do atleta). Já estava morto havia
pelo menos 12 horas quando as primeiras equipes de bombeiros, policiais,
militares e voluntários iniciaram as buscas pelo seu paradeiro, como mostram
laudos do inquérito sobre o incidente, encerrado pela Polícia Civil de Itajubá,
no Sul de Minas. Na manhã de 16 de abril, o francês iniciou a corrida para
atingir o Pico dos Marins, de 2.420 metros de altitude, numa trilha dividida
entre Minas Gerais e São Paulo, também na Serra da Mantiqueira e a 20
quilômetros da Pedra da Mina, o objetivo do paulista resgatado na última
semana.
O cume visado por Eric é o 26º
mais elevado do país, e a trilha é considerada um excelente treino para
desportistas, exatamente pelo fato de o grau de dificuldade ser considerado
alto. De acordo com a perícia feita no corpo do atleta, encontrado depois de 19
dias, a morte dele ocorreu entre o fim da manhã e o início da tarde de 17 de
abril, sendo que as buscas só haviam começado na manhã do dia 18, uma
quarta-feira. O francês surpreendido pelas armadilhas das montanhas mineiras
não era um atleta amador. Casado com uma brasileira, morava havia três anos em
Itajubá. Colecionava muitas aventuras em competições de corrida de montanha em
diversos países, portanto, era considerado muito experiente.
Ao todo, somando-se os esforços de
equipes mineiras e paulistas, mais de 100 pessoas se envolveram nas operações
de buscas, que contaram também com cinco helicópteros, além de drones. Trilhas
oficiais e caminhos alternativos que poderiam ter sido tomados por engano pelo
montanhista foram percorridos, com a hipótese de morte tendo sido considerada
apenas uma semana depois de as buscas terem se iniciado. “Nessa terceira fase
da operação de buscas, as equipes concentraram-se também na observação da
presença de aves de rapina e odores específicos”, informou uma nota divulgada à
época pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, indicando que o corpo em
decomposição poderia chamar a atenção desses animais ou orientar os
socorristas.
O corpo do francês foi encontrado
por um vaqueiro, em uma mata próxima a um pasto do município de Piquete, em São
Paulo. Segundo um dos responsáveis pelas buscas, o capitão Paulo Roberto Reis
Teixeira de Souza, do 11º Grupamento de Bombeiros da Região do Vale do Paraíba
(SP), Eric estava fora de qualquer trilha, bem na base da montanha. “Se andasse
mais um pouco ele sairia em um pasto, onde há gado. Ainda teria que caminhar
para encontrar a civilização, mas estaria mais próximo. Estava deitado com a
perna cruzada e com a mão no peito, encostado em uma pedra”, disse o oficial. A
necropsia foi feita pelo Instituto Médico-Legal (IML) de Guaratinguetá (SP) e o
laudo, enviado para a delegacia de Itajubá.
Segundo o inquérito policial de
Itajubá, a causa da morte foi hipotermia, que resumidamente ocorre quando a
temperatura do corpo humano cai abaixo de 35°C o que, em casos extremos,
provoca quedas das frequências cardíaca, arterial e respiratória, segundo
estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A Federação
Francesa de Montanha e de Escalada (Fédération Française de la Montagne et de
l’Escalade – FFME) afirma que numa montanha a temperatura externa cai em 6,5°C
a cada mil metros de altura atingidos e os ventos são mais fortes,
intensificando a perda de calor.
As investigações reconstituíram os
momentos finais do atleta francês. Ele conseguiu sobreviver por cerca de 26
horas, mas não tinha abrigo nem material para se proteger. Em seu pulso foi
encontrado um relógio com sistema de posicionamento global, o único meio de
navegação de que Eric dispunha, mas que já o tinha levado a se perder em 2014,
segundo informações dos bombeiros. Dados do aparelho mostram que o montanhista
se perdeu pelo menos três vezes. Com as informações do equipamento e
levantamentos feitos pela investigação policial, chegou-se à conclusão de que o
corredor percorreu um total de 10.526 metros, sendo que 4.941 (47%) foram
deslocamentos errados, feitos em caminhos inadequados, que podem tê-lo
desgastado ainda mais. A temperatura na madrugada chegou a -4°C e a
visibilidade devido à chuva e ao nevoeiro era de menos de 10 metros, segundo a
polícia.
DRAMA. Os registros da frequência
cardíaca muito acelerada de Eric mostram que o francês só parou de correr
quando errou pela última vez a trilha e desceu beirando um abismo, seguindo
caminhos de enxurradas, que pode ter acreditado tratar-se da trilha de retorno.
Naquele momento, caso estivesse no caminho correto e seguisse por mais 2.098
metros, chegaria ao cume do Pico dos Marins, seu objetivo. Se decidisse
retornar, teria de descer mais 3.575 metros. Os registros mostram que ele
enfrentou um terreno extremamente acidentado, passando por caminhos entre
rochas íngremes e se arriscando a cair em precipícios. Sua jornada se estendeu
até a noite, tendo como única fonte de luz uma lanterna de cabeça. Se dispusesse
de um localizador capaz de enviar sinais de socorro, àquela altura equipes de
busca poderiam tê-lo encontrado.
Depois de descer por 1.729 metros,
ele ainda tentou um nítido esforço de se localizar. Deixou o vale seguindo por
onde a água da chuva naturalmente escorre da montanha e andou 518 metros até
uma elevação 180 metros mais alta do que a vala de onde veio. Nesse ponto do
inquérito, a polícia conjectura que o atleta tenha feito esse movimento em
busca de alguma forma de orientação abaixo, ou para tentar buscar sinal de
telefonia celular. Desse ponto em diante, tudo parte de hipóteses levantadas
pelos investigadores, uma vez que a bateria do relógio acabou e o equipamento
parou de registrar os deslocamentos de Eric. O mais provável, segundo os
levantamentos periciais, é que o montanhista tenha retornado ao curso de água e
descido por mais 2.694 metros, até o ponto onde seu corpo foi finalmente
encontrado. Estava a apenas 223 metros de um pasto e a mais 620 metros da sede
uma fazenda, onde poderia finalmente encontrar socorro e se salvar.
PERDIDO NA
SERRA. Na última quarta-feira, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais e a
Polícia Militar de São Paulo resgataram o paulista de Campinas Luís Cássio
Bezerra de Santana, de 27 anos, que ficou perdido por oito dias depois de ter
entrado na Serra Fina, em Minas Gerais, com o objetivo de chegar até a Pedra da
Mina, quarto mais alto pico do Brasil, com 2.798 metros. Até o desfecho dos
trabalhos foram três dias de buscas, que envolveram meia centena de militares,
guias experientes, nove viaturas e duas aeronaves de corporações dos dois
estados. Ao escutar a passagem do helicóptero Águia, da PM paulista, o jovem
fez acenos e foi localizados. Porém, devido às dificuldades de pouso, uma
equipe de solo fez o trabalho de resgate.
Fonte: Mateus Parreiras/Jornal Estado de Minas
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